sábado, 27 de junho de 2015

PRISIONEIRO

        Eu queria poder falar como o povo fala.Poder dizer o que
      quero sem me preocupar com a norma culta. Ignorar Domingos
      Pascoal Cegalla, Celso Cunha, Luiz Antônio Sacconi, Manoel Pinto
      Ribeiro, e outros mais.Poder colocar o pronome oblíquo no início
      da frase, sem me preocupar com a censura. Conjugar o verbo
      namorar como se fosse transitivo indireto. Falar o português
      gostoso que o povo fala...   Mas esses homens engravatados,
      barbeados, com cartões de crédito e chaves de carro nos bolsos,
      que estão diante de mim, impedem-me de fazê-lo.

          Eu queria poder dormir em uma casa de pau a pique e com
      assoalho de terra batida, em cima de uma esteira de junco, e
      acordar com o canto do galo...  E ter como desjejum leite recém-
      tirado da Mimosa. E aipim e inhame cozidos; queijo e pão caseiros.
            Eu queria contar estrelas, sentir o perfume das flores, sentar
       de cócoras diante de uma fogueira, comendo milho assado, e ouvir
       os causos contados pelos homens simples da roça, mas cheios de
       sabedoria.

           Às vezes, vou a uma cidade do interior, misturo-me ao povo.
      Misturar é palavra errada, sou igual todo mundo: junto me ao povo,
      aos homens comuns. Converso com eles. Sento-me à mesa com
      essa gente humilde e almoçamos. Pronto: adquiro a consciência de
      que sou livre. Livre de Domingos Paschoal Cegalla, Sérgio
      Nogueira e outros. Ouço frases lindas e cheias de poesia e calor:
      “Benzinha, vamos comer um sanduíche de mortandela?! Fiz com
      todo carinho pra ocê.”, “Me dá um refrigerante.”, “Comprei ela lá em
      Madureira.”.

            Começo a viver emoções e alegrias... De repente, os
      compromissos me chamam.  Acaba a boa vida. Lá estou eu diante
      de homens e mulheres soberbos. Sinto-me como se estivesse
      diante do Professor Evanildo Bechara, dedo em riste no meu nariz:

             – Olha a gramática normativa, menino!
             Eu queria ser livre. 

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